Deixo aqui um bonita cronica do jronalista,Luis freitas Lobo.
O BRAGA NA EUROPA
Sonhos de Futebol
Por Luís Freitas Lobo
O remate imparável de fora da área do Chico Gordo, ainda no saudoso
velho 1º de Maio, frente a onze rudimentares malteses, e as fintas e
simulações, danças com golos de Wender, em frente à pedreira do novo
Estádio, destroçando o Estrela Vermelha outrora gigante europeu. Já
passaram quase 30 anos entre estes dois momentos. Na minha memória,
eles são os dois lances que marcam a primeira e a última imagem que
tenho do Braga nos caminhos da Europa. Em tempos mais remotos, repousa
a primeira viagem além-fronteiras, nos anos 60, do qual guardo
religiosamente curtas imagens tremidas num hoje arcaico filme super 8,
precioso tesouro de família, do jogo com o Vasa Gyor, onde, apesar dos
esforços de Luciano, Estevão e Perrichon, não conseguimos o terceiro
golo para dar a volta à derrota da primeira mão.
Durante muito tempo, falar no Braga europeu era quase como imaginar uma
viagem a outro planeta. Os rápidos regressos nos anos 70 e 80 disseram
bem como era difícil ter a ousadia entrar nesse “outro futebol”.
Recordo o jogo com o Tottenham, em 84, a ilusão dos dias que o
precederam e, depois, em campo, o duro choque com a realidade. À
meia-hora já perdíamos 0-3. Era a equipa do Dito, do Jorge Gomes, do
Serra... Depois, em Inglaterra, nem dava para respirar. 6-0. Lembrei-me
muito desses jogos quando a época passada acompanhei por razões
profissionais (escondendo no coração as emocionais) o nosso Braga no
regresso a esse palco mítico nos subúrbios de Londres. Vinte e três
anos depois, já pisamos aquela relva europeia com outra personalidade.
Duas derrotas tangenciais e a ousadia de jogar olhos nos olhos com os
gigantes desse “outro futebol”. A classe táctica com que eliminou duas
equipas italianas (Chievo e Parma) e a forma insolente como encaramos
as montanhas de músculos vindos de Munique, bem expressa no sorriso
matreiro com que o franzino Linz encostou a cabeça no monstro Kahn,
dizem claramente que o Braga é hoje, cada vez mais, uma equipa com
pedigree europeu.
Durante aquelas duras épocas em que a luta por fugir à descida de
divisão sufocou a passagem dos anos 80 para os 90, tal parecia um
caminho impossível. Tudo começou a mudar com a classe do Karoglan, o
desengonçado Toni, os penaltys do Artur Jorge contra o Vitesse… Três
imagens daquele inesquecível onze que em meados dos anos 90 nos
devolveu o direito a sonhar no cenário europeu.
Foi um caminho longo. Com avanços e recuos. O Braga nunca foi um clube
fácil para sonhar. Aqueles que desde miúdos se habituaram a seguir com
o coração apertado as viagens de uma bola desde as bancadas frias do 1º
Maio sabem bem disso. Tantas ilusões e jogadas gravadas na memória. E é
esta a palavra-chave para entender e agarrar o momento que hoje
vivemos. Memória. Só ela permite criar raízes. Perceber porque durante
tanto tempo o clube viveu distante dessa elite, quais as razões que
permitem este seu regresso e, mais importante, saber como transformar
tudo o que hoje vivemos não num sucesso conjuntural mas numa ponte
indestrutível para um futuro de conquistas.
Raramente a vida respeita os nossos sonhos, mas com o futebol é
diferente. É que todas as semanas há um novo jogo. Todos os anos, uma
nova época. É como “nascer de novo” várias vezes. Para quem, como eu,
viu este clube nascer, na mesma casa onde dei os primeiros passos,
fundado pelos sonhos impossíveis do meu avô Celestino Lobo, o Braga
joga “todos os dias” e o abismo que parece separar esses dois tempos
tão distantes, da fundação ao presente, é apenas ilusório. Porque é
nele que está o nosso ADN. Um código genético que gostaria de ver
estendido a todo o “mundo bracarense”. Uma forma de sentir e viver o
Braga muito para lá do simples facto da bola entrar ou bater no poste.
Pensem nisso nos próximos jogos. Esperando, claro, que as arrancadas do
Wender, os passes do Jorginho e os golos do Linz, a actual expressão
dessa paixão, surjam agora em Bremen, próxima paragem nas viagens
europeias de um Braga em eterno renascimento.
In Jornal do SCBraga (janeiro de 2008)